A importância dos Strokes para o rock contemporâneo é inegável: conseguiram tirar o foco das superproduções e trazer para o jeito esquisitão de fazer rock, com trejeitos sonoros que viraram a marca do famigerado indie rock – obviamente, incentivando uma série de imitadores. A trajetória da banda foi marcada pelos desvios, mudanças de sonoridade e por um hiato que começou depois do terceiro álbum, e bem sabemos que hiatos sempre acarretam em projetos paralelos dos membros. Até agora, todos eles já se envolveram em algum deles, mas dois são mais notáveis: o do vocalista Julian Casablancas com a banda The Voidz e a carreira solo do guitarrista Albert Hammond Jr. O primeiro grupo lançou o Tyranny (2014), um álbum inquietante e noisy que buscava uma imagem sonora diferente da que o grupo americano popularizou; já o Hammond – com uma carreira de quatro álbuns, contando com esse mais novo, Francis Trouble –, sempre pareceu buscar uma certa semelhança com o som dos Strokes, seja ela implícita ou explícita.
Para o álbum novo, a escolha do produtor Gus Oberg refletiu esse desejo por um som mais inclinado ao que o guitarrista já vinha fazendo com a banda. Gus produziu os dois últimos Angles (2011) e Comedown Machine (2013) – justamente os que marcaram uma mudança significativa no som deles. Ao ouvir Francis Trouble, o que vem a mente é que Albert deve ter chegado para o produtor abertamente e dito: “olha, eu quero um som que seja igual aos strokes; eu quero soar como se a banda fosse só eu”. Penso isso e, confesso, fico um tanto interessado na proposta: imagina só se o Dave Grohl decidisse gravar um álbum do Foo Fighters sozinho e chamar de álbum solo dele? Ou o Thom Yorke com o Radiohead? Seria curioso.
Pois bem, para o Hammond, essa decisão resultou em pontos positivos e negativos. A primeira parte do álbum funciona muito bem: a primeira faixa “DvsL” já apresenta um bom compilado de elementos típicos do jeito Strokes de fazer rock, como guitarras ensolaradas em stacatto e vocais mais moleques; a divertida “Muted Beatings” é marcada por riffs simples de guitarras magras, vocais dobrados, riffs de uma nota só, uma levada baixo-bateria que é muito padrão de indie rock, sem contar os “uh-uh-uh-oh” que lembram muito algo que o Julian Casablancas escreveria; “Set For Attack” é triste e conta com aquele desequilíbrio de volumes, que também é característico do subgênero. Até aí tudo vai muito bem, com os clichês e elementos conhecidos bem arrumados pelo álbum, sem exageros, e com as partes mais fortes das faixas bem enfatizadas pela produção.
Daí para frente no tracklist, o álbum vai perdendo força e escorregando no próprio objetivo de soar simples e divertido. As ideias vão sendo repetidas burocraticamente, os climas são mal desenvolvidos e os clichês são jogados como se precisassem ser por obrigação e não por inspiração. De certa forma, a segunda parte é formada pela repetição do que já havia sido apresentado nas cinco primeiras faixas e que não havia incomodado. No entanto, com a insistência na mesma tecla e as escolhas claramente equivocadas, a falta de potencial artístico do álbum vai ficando evidente. Entre as escolhas ruins estão: os “lalalalas” gratuitos que parecem surgir para suprir a falta de um bom refrão em “Strangers”; o insistente vocal mais grave e calmo que não combina nada com a base instrumental frenética e dinâmica de “Harder, Harder, Harder”; ou a decisão de quebrar o potencial funky das guitarras e de alguns riffs espertos com um refrão chatíssimo, harmonizado e totalmente anti-climático em “Rocky’s Late Night”. Se a primeira parte parece um conjunto de canções promissoras dos Strokes, que eles por algum motivo não lançaram, essa segunda parece um conjunto mal acabado de sobras terminadas às pressas para preencher um álbum.
Vale ressaltar que esse álbum não representa um momento novo à discografia solo do guitarrista. Momentary Masters (2015) também contrabalanceava canções fortes com outras horríveis e ¿Cómo Te Llama? (2008) foi uma bagunça de referências desconexas. Yours To Keep (2006) é o disco menos ruim, mas ainda assim, longe de ser ótimo. Diferente do Brian Fallon que, mesmo soando parecido com o Bruce Springsteen, conseguiu desenvolver seus próprios maneirismos e fugir do rótulo artista-cover-fingindo-ser-original em seu álbum mais recente, Hammond claramente não encontrou a sua voz e sua marca ainda (o que não deixa de ser curioso, já que sua banda, já no primeiro álbum, chegou chutando os padrões convencionais do rock para o ar, com um senso de identidade fortíssimo).
O álbum em si foi inspirado pela vida e morte do seu gêmeo, Francis, que nasceu prematuro e teve que ser abortado. Albert quis detalhar a forma como esse evento afetou sua vida e sua arte. Em entrevistas, ele chegou a dizer que pensou em explorar essa conexão com o irmão desconhecido como uma espécie de alter-ego, como uma de forma de “fugir de si mesmo para encontrar a si mesmo”. No entanto, suas letras não são tão literais e nenhuma parece tão profunda quanto o conceito que ele prometeu.
Falta originalidade e inventividade ao Albert Hammond Jr. Mais do que isso, falta um conhecimento maior de si mesmo, do seu talento e dos seus limites. Muitos artistas por aí justificam suas carreiras solo pela complexidade dos seus gostos e porque eles desejam explorar os tipos de sons que os agradam, que geralmente não cabem na proposta da banda principal. No caso de Albert, é só mais um trabalho para o deixar ocupado, sem relevância e peso. Se a primeira trilogia dos Strokes – impecável, até hoje – chama atenção para a grandeza do que eles fizeram, álbuns como esse chamam a atenção para como a fórmula deles, quando repetida ao extremo e sem imaginação, fica desgastada e clamando por renovação. Francis Trouble é um disco tão lamentável e esquecível que nos deixa curiosos e com alta expectativa para o próximo do The Voidz e para o aguardado novo dos Strokes, aquele com os Strokes mesmo.
Por Gabriel Sacramento (Escuta Essa Review)
![]() |
Por Raphael Dias |
Comentários
Postar um comentário
Participe! Comente! Dê sua opinião.