Beavis e Butt-Head foram a voz de toda uma geração de metaleiros


Com um riff metálico ao fundo, o clipe de "The Philosopher", faixa de 1993 do Death, começava com a imagem de uma criança descamisada correndo no mato. Dois jovens animados e mal-educados chamados Beavis e Butt-Head assistiam ao clipe sentados no sofá, prontos para oferecer seus comentários, 100% sincerões.

"Se liga, é o Jeremy", comentou Butt-Head, referência à estrela do single de sucesso do Pearl Jam.

"Já falei que esse som é um saco?", comenta ao final do clipe. "Sim, mas não custa nada falar de novo né?", confirma Beavis.


O Death ia bem antes mesmo de ganhar um tempinho no ar em meio aos comentários engraçadalhos de Beavis e Butt-Head. A banda já tinha dez de anos de atividade, contando com ampla influência e muitas vezes tidos como responsáveis pela criação do death metal. Mas o Death nunca chegou a ter o mesmo sucesso que o Pantera, cujo clipe para "This Love" fez muito mais sucesso com a dupla.


O tratamento dado a "This Love" por nossos heróis órfãos tinha tudo que fazia de Beavis and Butt-Head tão intenso — destacando tudo aquilo que faltava no clipe do Death — tudo em lugar só: loucos hormônios adolescentes, tédio suburbano, raiva sem limites e causos de famílias problemáticas. Resumindo: o Pantera fazia uma parada com a qual dava pra se identificar, ao contrário do Death, uma banda mais cabeçuda, mais vanguardista, produto de uma época que já se foi, ou pelo menos algo menos familiar, mais urbano. O Pantera remetia a loteamentos, lojas de departamento gigantes, inescapável estagnação socioeconômica e, mais relevantemente, raiva. Mas assim, muita raiva mesmo.

Seus integrantes eram todos irascíveis cachaceiros fanfarrões do Sul profundo que por um acaso mandavam bem nos seus instrumentos. Já o Death tinha sido fundado por um moleque que cresceu em área nobre de Long Island, tocando com outros nerds que chegavam da aula e passavam horas praticando seus instrumentos, eventualmente levando o metal aos seus limites, incluindo sonoridades jazz, fusion e clássica. Música desafiadora e interessante, mas caso você fosse um adolescente perdidão, zuando com vacas por aí ou jogando beisebol com um sapo vivo, qual das duas banda você escolheria?

O metal precisava de um salvador em 1993, e acabou ganhando dois na figura de Beavis e Butt-Head. Por mais que pareça absurdo dar crédito a dois personagens de desenho vindos da cabeça de Mike Judge por terem feito ressurgir todo um subgênero do rock, é preciso levar em consideração o panorama da música pesada da época. O hair metal havia sido brutalmente atropelado pelo advento do grunge, com sua atitude ambivavelente e visual meio podrão. O thrash metal tinha ficado chato, sua característica fúria juvenil substituída pela megaprodução de Bob Rock no Black Album do Metallica. O público do death metal não atendeu à expectativas quando a Earache Records — com seu elenco incluindo grandes nomes como Carcass, Entombed, Godflesh, Napalm Death, dentre outros — assinou um contrato de distribuição gigantesco com a Columbia que acabou tão rápido quanto começou. Mas para uma nação de jovens enraivecidos e pré-adolescentes sem noção alguma de todas as intrincácias do metal, Beavis and Butt-Head agiram como uma espécie de portal para esta cena em constante evolução. O programa era, simultaneamente, um influenciador e definidor do gosto alheio, uma reflexão ridiculamente precisa da juventude norte-americana.

Beavis e Butt-Head manjavam horrores de metal e ficavam de olho nas tendências pra molecada que não se dava muito bem nas aulas de matemática. Por vezes, a simples presença de qualquer combinação que envolvesse fogo, peitos, bundas e/ou escatologia juvenil no geral (cocô, catota, peido etc.) era o suficiente para garantir seu selo de aprovação. O apelo de uma banda como o Gwar era óbvio, com suas fantasias de monstros intergalácticos cuspindo sangue e sêmen de canhões e pirocas gigantes no palco, enquanto os shows do Rammstein eram simplesmente irresistíveis porque FOGO PORRA!!! Ao valer-se deste filtro nada cerebral e visceral, o programa se conectou com toda uma geração, formatando a maneira como os metaleiros processavam e desenvolviam novas preferências, conexão esta que permanece até hoje.

Mas ao mesmo tempo, Beavis e Butt-Head eram capazes de avaliar o valor cultural de um artista num nível mais subsconsciente. Havia sempre algo mais "bacana" no Crowbar que no Grim Reaper e Beavis e Butt-Head sabiam disso, assim como a cultura de hoje dá muito mais bola para um Pallbearer do que para um Periphery, que tem trocentos elementos semelhantes. Não é preciso ser um gênio pra saber o que é bacana e o que não é e talvez estas avaliações caiam melhor para aqueles que não ficam superanalisando tudo mesmo.

Os tentáculos de influência da dupla não se prenderam ao metal, com bandas como Nirvana, Aerosmith, Primus e Red Hot Chili Peppers todas aparecendo em The Beavis and Butt-Head Experience, uma coletânea de 1993 lançada pela Geffen Records que conseguiu disco de platina duplo. O cover do RHCP de "Love Rollercoaster" dos Ohio Players no filme Beavis e Butt-Head Detonam a América — que lucrou mais de 60 milhões de dólares até hoje — virou um hit estrondoso, chegando ao 22º lugar no Top 40 Mainstream. Até a Cher entrou na da dupla com uma nova versão de seu hit de 1965 "I Got You Babe".

Beavis e Butt-Head tinham uma queda pela brutalidade honesta mesmo quando elogiavam alguém, e por vezes uma espinafrada da dupla poderia muito bem servir como selo de aprovação. No caso do Crowbar, por exemplo, Butt-Head fez um comentário, na zoeira, de que "Eles sempre estão cagando" ao ver o clipe de "Existence Is Punishment", antes de comentar "A música é lenta e gorda", uma avaliação assustadoramente precisa (mesmo desconsiderando a aparência da banda). Seria tentador ver tais comentários como negativos até ouvirmos Beavis zoando o "maricas" no show da banda, dizendo que "A mãe dele está lá fora esperando ele, numa perua". Aquele maricas, de acordo com o evangelho de Beavis, não era bacana o bastante para estar num show do Crowbar.


E por falar em maricas, ninguém representou maior o sofrimento de ser sacaneado no programa do que o Winger, cujo logo adornava a camiseta do vizinho abestalhado e enturmado da dupla, Stewart, vítima de forte bullying. Há um debate intenso para determinar se o fracasso do Winger foi culpa do grunge ou de Beavis e Butt-Head, mas disso tudo podemos extrair um fato: a percepção que o público tinha da banda foi afetada pelo programa, atrelando os dois pra sempre. Kip Winger responde perguntas sobre o tema até hoje, apesar de parecer ter ficado numa boa com tudo.

Os integrantes do Crowbar reconheceram o poder e influência do show antes mesmo de aparecerem no programa, pedindo para que sua gravadora enviasse material a Mike Judge na esperança de aparecerem ali, pro bem ou mal. O líder da banda, Kirk Windstein conta ao Noisey o que rolou: "Escrevemos uma carta, algo do tipo 'Somos um bando de gordos, podem tirar sarro se quiserem, estamos nessa e achamos hilário'. Fizemos isso torcendo pra que botassem a gente no ar. Queríamos ser zoados. Contanto que curtissem o som e não dissessem que éramos uns merdas, beleza, nem ligamos pra piadas de gordo. Faz parte da zuera". Windstein não hesita em momento algum quando questionado se a aparição no programa ajudou na carreira da banda: "Não tem um dia sequer em que alguém não chegue e diga algo como 'Lembro de vocês da época de Beavis e Butt-Head!'. Na minha opinião deu bem certo e nos ajudou a divulgar a banda."

Beavis and Butt-Head sempre acertaram. Ao falar de "From Here to Eternity" do Iron Maiden, comentaram que mesmo que a banda fizesse um Acústico MTV, "nunca desligaria a máquina de explosões" que faziam seus clipes tão foda, um recurso que ajuda a banda a lotar arenas pelo mundo até hoje. Até mesmo à época de "Blind", primeiro single do Korn — e sem noção alguma do que viria a ser o fenômeno new metal — Beavis fez uma crítica de nível profissional à banda após ficar tonto de propósito e comentar "este clipe dialoga menos com a mente e foca mais no esfíncter". Os dois metaleirões capturavam o zeitgeist em torno do Metallica na época ao discutir ao longo de um clipe de dois minutos — uma eternidade para os padrões de ambos — se a banda prestava ou não (adequadamente, o consenso foi que a banda não era legal como o Gwar). No caso do Napalm Death, a dupla não conseguiu decidir se o vocal de Barney Greenway parecia sair de uma bunda, do Godzilla ou da bunda do Godzilla, antes de perderem o interesse e falarem da vez que esbarraram num cavalo morto e desceram o cacete nele (literalmente). "Olha lá, mais um daqueles clipes de metal com um mano todo enrolado no chão, pelado" e era tudo que você precisava saber sobre "God of Emptiness" do Morbid Angel. Seguia o baile.

Talvez nada melhor resuma a conexão de Beavis e Butt-Head com o mundo metálico do que seu hino quintessencial, cujo cantarolar do riff se tornaria característico a jovens pelo mundo: "Iron Man" do Black Sabbath. Apesar de perguntarem onde diabos está o Ozzy e questionar se o cara à frente da banda era filho do Ozzy, a dupla acerta demais aqui também: em 1993, quem com menos de 30 anos ligava pra esses velhos? Ninguém.


Só podemos imaginar que diabos Beavis e Butt-Head falariam sobre os 14 anos de metal que aconteceram entre o cancelamento da série em 1997 e seu breve retorno em 2011, que mostrava a dupla criticando reality shows da MTV como Jersey Shore, Teen Cribs, e 16 and Pregnant além de comentários de sucessos da época como MGMT e Skrillex. Quanto ao new metal, resta imaginar o horror em seus rostos ao assistir "Break Stuff" do Limp Bizkit, bem como tapa na cara de Beavis por curtir "Butterfly" do Crazy Town. Pode apostar que eles teriam MUITO a falar sobre a pegada tira bom/tira ruim da banda ("Por que esses caras cagam uma música boa com essa merda?"), a fórmula repetitiva do deathcore com seus breakdowns (talvez curtissem?) ou a rifferama punhetada do djent.

A metaleirada passou os últimos 20 anos de metal numa boa sozinhos, mas a falta da direção dada pelas vozes de Beavis e Butt-Head certamente foi sentida. Todo mundo é crítico hoje em dia, com redes sociais e blogs dominando o jornalismo musical, então talvez nossos protagonistas estejam obsoletos. Mas sempre é bom ter alguém pra ajudar aqui e ali, e para uma geração de metaleiros — durante boa parte dos anos 90 — estes dois adolescentes serviram de guia.

Texto originalmente publicado no Noisey US
Por Ben Umanov

Fonte: VICE

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